Ps: a felicidade também dói, quando se descobre que ela não é constante.

Queria que Ana se tornasse alguém melhor do que eu havia sido, independentemente ou não da presença de nossos pais. A solidão, frequentemente, consegue desnortear até mesmo os mais sensatos de direção.  E ela merecia o melhor, não por eu a achar melhor ou mais especial que outra criança de sua idade, ou qualquer outra pessoa, mas porque a inocência dela tinha o poder de fazê-la perdoar com maior facilidade. E, simultaneamente, fazê-la perder menos tempo guardando mágoas.

O meu credo em fazê-la trilhar um percurso mais agradável provinha de uma alternância de percepção. Agora os borrões de minhas ambições tornavam-se mais visíveis, e eu podia inferir com maior precisão o que eu de fato precisava. Não era de dinheiro, tampouco status, não era sequer fazer parte da cena principal.

Não.

Ao olhar os olhos castanhos claros e amadeirados de Ana, exibindo suas pequenas sardas que se espalhavam ao redor de seu nariz delicado, concluía que certamente não eram essas coisas ocas e desprezíveis que eu desejava.

Eu poderia passar despercebida, tornar-me um fantasma que se infiltra e percorre os cantos de uma casa abandonada. Poderia até mesmo ser uma mera figurante, sem fala, sem ações, e que está por aqueles arredores para somente aparecer por um instante e evaporar sob névoa constante. Poderia me enrugar dos pés à cabeça, submetendo-me a um inverno rigoroso e esconder-me por de trás de toucas escuras e casacos maiores que meu número.

       Está tudo bem. Ok.

Só queria a felicidade de todos que eu amava. E que, por um acaso, me amavam também.

Sai do jardim e fui para o meu quarto. Sentei-me à mesinha de estudos, de costas para a porta, fitando os cantos daquele cômodo grandioso. Desejei registrar aqueles poucos instantes de alegria, pois eu tinha a nítida sensação que, de repente, eles se dissipariam em pequenas bolhas de sabão e voariam para longe. Ninguém além de mim sentiria de fato o fardo de ser incapaz de ter sua voz atendida. Por mais que houvesse um estreito período de paz em minha linha do tempo, o restante se basearia em solidão. Em dor.

Peguei algumas folhas em branco e coloquei-as sobre a mesa, puxando o porta-canetas para perto. Dentro dele havia várias coloridas, mas contentei-me em escolher apenas a preta e a azul claro.

Com muita satisfação deixo aqui registrado o quanto estou bem. E feliz. Não sou boa em descrever tais sensações, mas me contento em senti-las em toda sua força e vigor. Às vezes, até pisco para ter a certeza de que não é apenas um sonho.

          Não quero acordar, caso seja.

          Precisei me aceitar e me encontrar antes de tudo para poder tocar nesse pedaço de paraíso, por isso, tenho de deixar claro que estas palavras vem de uma simples garota de 18 anos.

      Meus dias estão sendo sorrisos, abraços, risadas e choros desavisados de alegria. Minhas noites estão sendo ora pesadas e piolhentas com Ana à tira colo, ora prazerosas com o garoto pelo qual meu coração insiste em perder batidas. E naquelas em que estou sozinha, são meros sonhos.

      Não quero que nada melhore por ganância. Nada mude por pretensão. Nada seja diferente por insuficiência. Mesmo que estas linhas tivessem o poder de me conceder desejos, numa espécie inovada de gênio da lâmpada — ou melhor, gênio do papel — mesmo assim, nenhum me traria maior deleite do que me contentar com tudo o que já tenho, e que de tão bom grado a vida me oportunizou conhecer e aproveitar.  

      Aprender, sim, é o que quero fazer a cada inspirar e expirar. Porque a perspectiva de ter algo a conhecer, a inovar, a melhorar, faz com que haja sentido as instabilidades da vida.

     Minha maior vontade é, decerto, superá-las, para que no futuro eu alcance a mim mesma e possa ser feliz, mesmo que a felicidade não seja um pré-requisito para os desafortunados. Insisto em tê-la, mesmo sob sua inconstância, suas artimanhas, porque o medo não há de estagnar aqueles que tão genuinamente conseguem tocar um pedaço do paraíso. 

Um brinde à simplicidade

No mês de dezembro eu costumava abrir meu presente de natal. A caixa encoberta de papéis coloridos, ainda inexplorada em minhas mãos, quase se remexia esperando ser descoberta. Eu punha-me a observar todos ao meu redor. Sentia, mesmo que de longe, o anseio de meu irmão ao desembrulhar seu presente, com os olhos brilhando esperando por um novo celular. Encostados à parede eu encontrava meu pai a admirar a família que construíra. A partir dessa análise, eu deduzia que, embora tenhamos dado presentes plausíveis a ele, ainda assim não havia a chance de serem comparados aos presentes que a própria vida, com sua infinita complexidade, ofertara. Em contrapartida, sabia que seu coração não se encontrava totalmente preenchido pela ausência de minha mãe, que morrera durante minha infância.

Eu bem sabia que se ele tivesse desistido, os domingos em que íamos à pizzaria se apagariam da memória por simplesmente não terem feito parte do passado. Os sorrisos e as confidencias, o amor paternal construído, as noites de terror em meu quarto em que eu recebia seu suporte virariam apenas imaginação dos adolescentes que um dia eles foram. Seria como retroceder, como abrir mão de todo um destino por medo do barco naufragar.
Foi chocante para ele. A dor que a morte de minha mãe propiciou talvez tivesse tido caráter desumano, execrável, tão insuportável quanto correr e não chegar a lugar nenhum.
Entretanto, o vi sorrir outras vezes no passar de capítulos de sua história. O vi rir em momentos casuais e o senti feliz por diversas vezes.
Ele recomeçou.

No final, todos são só sobreviventes das brincadeiras astuciosas e maquiavélicas do próprio destino.
Certo dia – não me lembro com clareza se foi num dia de sexta ou de domingo –, mas recordo-me que determinada lucidez me ocorreu durante o período do entardecer. Eu me encontrava abraçada pelo horizonte, num ponto mais elevado sobre uma rocha sólida pertencente a um parque regional. O abismo diante de mim abastecia-me de ar, de bravura para confrontar todas as confusões que pipocavam em minha mente. À medida que o tempo se prolongava, tais pensamentos, que jamais foram proferidos a alguém por mim, foram concluídos pela gentil participação concedida do próprio espaço, o qual brincou com minhas ideologias, ora confrontando-as acirradamente, ora julgando-as como verdade inquestionável.
O veredicto, considerado bobagem cotidiana e de tão manjado discurso, alimentado pela insensatez do falatório sem fim, fez com que um sorriso terno surgisse em minha face. Inteligente é aquele que escuta ao invés de simplesmente ouvir tais declarações banalizadas pelo homem. Sábio é aquele que leva tal parecer ao coração e alimenta-o cotidianamente para que a morte não lhe consuma.

Tal viagem resultou numa afirmação agoniada: o homem, com sua crescente inteligência, decresce à medida que valoriza o muito e não se contenta com o pouco, até que não tenha mais nada.

Peguemos a vida como um exemplo, decerto ela é vital, apesar de ser considerada primitiva, em razão de ter surgido antes mesmo de nós. De zero a dez, quanto ela vale diante do seu Iphone 6 roubado dias atrás? Por que, a vista disso, insistimos em privilegiar os acontecimentos bombásticos àqueles que passam despercebidos?

Quanto você daria por outro Iphone? E sua vida, ao menos há essa possibilidade de recompra? Se houver, avise-me com urgência, preciso comprar uma com mais altura.
Por que, então, é bobagem dançar na chuva, enquanto diversos estados necessitam dela?
Por que, então, é comum nos incomodarmos com uma roupa repetida enquanto há outros precisando daquela vestimenta?

Pergunto-lhe, garota, por que resmunga por ele ter ido embora se, ao seu lado, alguém insiste em segurar suas mãos? Indago-lhe novamente, afoita, por que não se lembra do sorriso da sua melhor amiga quando vocês foram àquele show memorável em vez de insistir em reacender as lembranças de alguém que preferiu partiu?

Por que chora se há motivos maiores, embora quase imperceptíveis, para sorrir?

O pouco quando valorizado se torna muito, o muito quando priorizado transforma-se em vazio. Em todos os contextos, não existe o mais maior; não há mais lugar para avançar, senão regredir.

Portanto, não me julgue quando eu chorar pelas coisas consideradas simplórias à maioria. Não estranhe quando eu comemorar primeiramente pelo seu eu te amo, em vez da sua promoção no trabalho. Não suspeite quando eu interceder pela sua saúde, em vez de pedir aquele carro que cobiça há séculos. Não se assuste ao se deparar, depois que sair do restaurante que frequenta aos domingos, a alegria do mendigo ao receber um bom dia contrapondo a insatisfação do empresário por ter perdido um de seus vários investidores.

Isso não significa que é obrigatório estagnar-se na ausência de aspiração, viver no nível do mar e esperar ao invés de se fazer avançar. Pode-se e deve-se seguir rumo às inclinações da vida, sempre em perspectiva do avante, do melhor.

Não é egoísmo.

É amor próprio.

Só assegure que, mesmo que perca tudo o que tem, ainda terá a si mesmo.

Desilusão, acorde-me

 

 

Temos andado num caminho perverso e sem volta. Temos percorrido estradas distintas, as quais, gradualmente, nos afastam cada vez mais. Mas ainda posso ver sua silhueta, a imagem é falhada, e se torna menos visível no decorrer do tempo. As curvas de seu corpo se tornam meros borrões à medida que meus olhos começam a perder você de vista, e por mais que eu tente afastar meus pés do chão, ainda assim, desequilibro-me e, afoita, sinto o peso da distância amarrotar os meus sentimentos, torná-los uma confusão de sensações, forçando-me a inclinar as costas e esticar as mãos para alcançá-lo.

Quem sabe, se eu insistisse um pouco mais, conseguiria ao menos tocá-lo e sentir que nada mudou.

No entanto, isso não acontece.
Talvez isso signifique que não seguimos suficientemente, visto que ainda há seu cheiro no ar, que parte de você não se esvaiu completamente de mim, que compartilhamos, ainda, lembranças. E se não for ilusório demais, essa esquisita saudade.

Mas ainda há uma trilha e e eu continuo a segui-la. Não sei se estou indo para frente ou para trás, pode ser que estejamos nos movendo em círculos e possamos nos encontrar lá na frente, no entanto, momentaneamente, estamos em direções opostas. Sei disso porque nossas mãos se desgrudaram, sei porque meu peito rasga pela dor da partida, sei, principalmente, porque o som da sua voz se ameniza à medida que passos são dados. Sei porque você não está aqui.
Eu sinto a companhia da solidão, sinto o abraçar da separação, que perfura e estraçalha aquele sorriso, lembra-se? Aquele sorriso sincero e piegas que lhe dei quando você jurou nunca ir embora.
Entretanto, você se foi.

E eu, bem, talvez eu não esteja caminhando de fato, seja apenas um ponto parado dentro de uma infinitude de percalços, e talvez eu continue a permanecer, estática, observando suas promessas irem embora junto a você.

Tudo se renova e a força da realidade impõe que eu entenda o porquê de nada ter sido fácil, a razão da decepção e daquela instância de loucura. Porque eu grito. Eu desabo enquanto a minha voz se eleva, e berro toda as palavras tempestuosas e estrondosas que me fazem engasgar ao visualizar o borrão desaparecer. Acanhada, indefesa e insegura, ergo uma das mãos e as fagulhas que sobraram cintilam em meus dedos machucados, fazendo cócegas.

Nada mais está lá. Raios de sol aparecem e, ansiosos, devoram a escuridão noturna. Mas eu ainda estou caída, apesar de meu efêmero silêncio. Fecho os olhos e olho para dentro de mim, deixando que a janela de minha alma se abra para que aqueles motivos se embolem e me tragam conclusões.

E elas vêm, e não consigo contê-las. Meus ouvidos capturam as vozes que repercutem o som suave de suas mentiras, as quais soam tão amistosas que quase acredito mais uma vez. Os pelos de meu braço eriçam diante da impressão que tenho do contato de sua pele na minha, da mesma maneira que acontecia tempos atrás. A beleza dessa ilusão me transporta para a fantasia de amá-lo.

Preciso acordar. Por isso, pisco os olhos e os forço a se manterem abertos e lúcidos.
E, honestamente, fico confusa ao não saber do que mais sinto falta: da sua presença ou das suas falsas palavras. Talvez elas tenham sido as únicas que, em algum momento, estiveram comigo.

 

Ame e se aventure, por favor

 

Ah, o amor próprio. Tão conceituado por todos, padronizado e moldado em momentos de pura estupidez, correspondendo, consequentemente, a perda de sua essência abstrata. Esqueça de todos os sinônimos contemporâneos que vêm à mente quando pensamos em amor próprio. Não significa desapegar-se de algo ou de alguém. Não possuímos a capacidade de nos desprender de todas as coisas ou de todas as pessoas. Tente e fracassará. E, sinceramente, não há necessidade, até os mais próximos estão sujeitos a nos decepcionar. Não significa amar a si mesma acima de tudo o tempo todo. É lícito você se auto odiar de vez em quando. Às vezes, precisamos dar adeus a nós mesmos.

Nosso corpo é a morada da nossa alma, não sua prisão. Ela pode vagar por aí, alheia ao cansaço ou a qualquer obstáculo. Amor próprio, talvez, chegue perto da capacidade de uma parte de nosso ser possuir a alternativa de navegar entre tantos lugares e, ainda assim, escolher sua moradia inicial como permanência.

Preferir ficar.

Não é seu cérebro agindo, é algo mais profundo, uma camada à parte pouco conhecida e de total importância.

Você se odiará um centésimo de segundo e, num tempo menor que um piscar de olhos, se amará novamente, possivelmente até mais do que antes. E nunca mais se odiará pelo mesmo motivo.

É como um término de um romance qualquer, inicialmente tão sólido que, de repente, se esvai como poeira soprada ao vento. Haverá dor, porque uma parte de si não está contigo. E por mais que tentemos procurar anestésicos para tal incomodo, eles não existirão. Fisicamente você estará completa, porém haverá a ausência daquela substância abstrata. Sua alma se dispersará por algumas semanas. Ouso dizer até meses. Entretanto, uma hora, por amor próprio, ela retornará. Além de fisicamente completa, aquela parte crucial retornará. E sintomas dos mais variados virão a partir do renascer de sorrisos debilitados.

E essas semanas, ou meses, parecerão meros segundos perto da felicidade que você terá pela frente, se o aprendizado tiver sido concluído com sucesso. Porque é natural que aprendamos para não cometermos equívocos equivalentes.

Nesse cenário, estaremos sujeitos a novas situações que exigirão amor próprio. Porque, decerto, nos apegaremos a novas pessoas, conheceremos novos sentimentos, alguns mais fortes, outros, mais fracos, mas ainda assim intensos como chama a queimar, até mesmo mais confortantes como a brisa suave do entardecer.  Diferentes em sua essência, mais semelhantes no estrago que sua perda pode originar. Visto isso, devemos sempre nos dar motivos que culminem na nossa recuperação diante dessas viagens insanas que nossa alma realiza. Pois, naquele momento, quando um elo é formado entre dois indivíduos, é mais difícil trazê-la de volta.

Permita-lhe acomodar-se em outros lares de vez em quando, ela pode ser cuidada tão bem que talvez permaneça ali por mais tempo que previsto. E cuide quando a substância abstrata de outro alguém te visitar, para que sua permanência se eternize.

Se não cuidada, ela não morre, apenas retorna a seu lugar de origem. Porque uma hora ou outra esse alguém terá amor próprio e te dirá adeus físico e emocionalmente. E outra pessoa há de cuidar desse sentimento que anteriormente você não zelou.

É uma entre várias leis da vida.

Nesse ponto de vista é correto dizer que o amor está em função do cuidado para com o sentimento do outro. Ele, portanto, pressupõe uma necessidade básica de liberdade da nossa alma.

É um zelo recíproco, precioso, regido pelo trabalho contínuo, dia após dia, faça chuva ou sol, que se fortificará progressivamente. Uma vez eu ouvi dizer que é como a construção de um muro, para ficar firme e não se render as forças do meio é necessário que todos os dias coloquemos, não de qualquer maneira, tijolo sobre tijolo.

O limite é o céu.

Qual o tamanho do seu muro? Qual material está usando? Tome cuidado para que ele não caia na primeira chuva que despencar das bolinhas de algodão e evapore das suas mãos como quem acha que perdeu o que nunca sequer teve.

O amor é algo que até os tolos podem possuir. Porém, apenas os astutos conseguem mantê-lo. Não é apenas beleza como se diz nos livros. Ele se desgasta, se transforma, reacende, desmonta e rejuvenesce. Sorte daquele que ainda tem a chance de reinventá-lo, pois, na maioria das vezes, ele já partiu, e insistir por algo que não mais existe é burrice.

Burrice ainda maior é não valorizar a grandiosidade de tal essência nos dias atuais. Há quem não o visualize, nem o sinta, por incompetência ou por racionalidade excessiva. Não ter fé é natural ao julgarmos a moderna visão que a janela do mundo exibe.

É moderno não amar, mesmo quando se quer amar. Até mesmo quando se ama.

Tal argumentação pode ser justificada por diversos fatores, entre eles, destaca-se a necessidade de se autopreservar. Você já ama, querida, lá dentro você ama, mas seu cérebro insiste em negar, já que um falso sorriso é melhor do que ter para si um falso coração. Porque vai que a pessoa diz o que não sente, é comum. O medo do desconhecido é angustiante, tendo em vista que nem sempre poderá estar no nosso controle. E para nós, o nosso cuidado nunca será suficiente quanto o cuidado de outra pessoa.

Também é comum possuirmos a capacidade de minar a nossa própria felicidade.

Nesse contexto, o amor próprio, quando interpretado de maneira equivocada, é perigoso. Divida o amor quando se está com alguém. Não o tome para si quando estiver sozinha. Ame seus amigos. Ame seu cachorro. Ame aquele sorvete napolitano que está no congelador, até mesmo quando você descobrir que no pote só há feijão. Salvo que é lícito se odiar por uma fração de segundo por ter caído mais uma vez nessa malandragem da sua mãe. Ame sua prova, até mesmo se for de matemática, aquela do dia seguinte; ame o fato que, ainda que o coração ainda sinta dor, antes ele sentiu alegria.

Isso te mostra diferente dos demais, pois você possui coragem de se aventurar em algo mais perigoso que viver.

Lembro-me de já tê-lo encontrado e cuidado. Quando eu o subestimei, o perdi.

Não teve uma forma exata e previsível de como cuidá-lo, receitas não me foram dadas, e mesmo se eu conseguisse decodificar todas as minhas artimanhas, jamais poderia repassá-las, levando em consideração que cada alma tem sua particularidade. Há quem se derreta sob gelo, bem como quem se congele sob chamas.

Ele era quente, e congelava minha alma em seu peito fazendo-me permanecer nessa ligação por mais tempo que posso me lembrar. Minha memória nunca foi minha melhor amiga, logo, o máximo que posso afirmar é que durou ao menos dois anos.

Dois anos não são dois dias, nem dois meses.

Foram dois anos árduos, porém prazerosos, em sua companhia. Amando e sendo amada. Decepcionando-me, decerto o decepcionando também, bem como o perdoando (e como perdoei!), e sendo perdoada. Anos de autoconhecimento, de aprendizado, de momentos compartilhados e risadas trocadas. Choros confundidos entre os problemas que a vida nos expôs e aqueles sorrisos de quando conseguíamos superá-los.

Então é possível vir à mente a seguinte indagação: como algo assim pode se perder? É justo? Para ser sincera, mal sei informar-lhe se foi justo eu poder ter vivido tal reciprocidade.

Respondo-te honestamente que não foi perdido, orgulho-me por ter valorizado e por ter o amado.

No final, cuidamos pouco um do outro, do sentimento que ainda insistia em permanecer dentro de nós. Éramos insistentes, não tolos, tendo em vista que ainda tínhamos um ao outro. Mas o afastamento ocorreu gradualmente e, num dia qualquer, deparei-me com aquele vazio que fica conosco enquanto saramos de tal ocorrência injusta.

Demorou exatamente um ano para eu me recompor e dar uma chance a uma nova pessoa. Foi um ano de autoconhecimento, embora eu tenha imaginado que havia desaprendido a amar. Formulei alguns textos avulsos no meu notebook, como se eu estivesse defronte a ele. No geral, o conteúdo era o mesmo: eu espero que você esteja feliz, e que independente de com quem esteja que essa pessoa saiba cuidar de ti do jeito que merece.

Não me surpreendi quando descobri que ele já era pai. Ele tivera um filho com sua ex, embora eu não tenha a confirmação de algum reatamento, porque sinceramente, não procurei saber.

Senti orgulho de mim ao perceber que tais desejos não vieram da racionalidade, nem de acordo com os textos existências os quais manobram ou ditam nossas atitudes. Não. Eles vieram daquela substância abstrata, lá dentro, com a delicadeza da sinceridade real escassa de deboche ou orgulho.

Sem nada além da verdade absoluta e concreta da alma para outra alma que por tanto tempo lhe foi conveniente e lhe causou bem estar.

Como um agrado, as memórias permanecem intactas.

A pessoa se transforma, muda a cor do cabelo, o estilo das roupas, até mesmo o jeito de falar, no entanto, o passado é inalterável.

E se for para revivê-lo, que revivamos esses momentos bons; que as lacunas do museu de nossa existência se preencham com os sorrisos entregues àqueles que o mereceram. Sentir saudade não significa que você não superou, significa que foi bom o tempo que durou.

Assim que nos recuperamos a consciência retorna, também.

Por isso, alma doente, não se arrependa de nada que foi feito, mesmo que sua essência dada, assim, como quem presenteia o melhor que tem sem esperar nada em troca, foi negada.

Nem sempre nosso amor é aceito, como nem sempre você é obrigado a aceitar algum amor.

Amor próprio (libertar aquela substância abstrata, sabendo que você se recuperará lá na frente, pois você é a melhor morada para seu próprio sentimento) tem desses riscos, de sofrer interferência, de ser mal interpretado, de padecer de receio, de não ser aceito, ou não haver conexão completa.

Mas quando há a tal conexão, ah meu caro, a beleza corrompe a lucidez e testa os limites de nossa estabilidade emocional. Talvez essa loucura seja bonita quando colocada nessas sentenças inocentes, todavia, quando sentida não soa tão agradável quanto deveria ser. Porque, automaticamente, pode vir outras substâncias abstratas que se complementam, se embolam e nos move a um desastre iminente. Ciúmes. Medo. Angústia. Entusiasmo.

O desastre não apenas no sentido catastrófico, não. Pode ser um desastre bom. Daqueles que nos faz contar até três, respirar fundo, e de alguma maneira você sabe que esse acontecimento será especial.

Porque na calmaria das palavras o coração se agita e promete e lhe é prometido responsabilidades colossais. Quase como um eu vou te amar por um tempo imensurável, até mesmo quando você não merecer. Eu não vou desistir. Eu vou cuidar do seu sono, zelar pelo seu sorriso e cicatrizar suas feridas, de modo que a solidão não te atormente nem o sofrimento te angustie. Farei-me presente que sente que até ausente te escolhe, te almeja, te defende. Tão diferente dos negligentes eu serei convincente, para que você perceba que, entre tantos imprudentes, em mim você pode confiar.  Que de um modo imperfeito eu seja perfeito para você, se você me escolher. De nada vale uma vida se nela você não atuar. De nada me vale mil tentativas se em uma eu não acertar.

Há grandiosidade nessas propostas, não há promessas de perfeição, mas de tentativas até que haja o acerto.

É errar, perceber o erro, modificar as artimanhas e, então, solucionar. Para que os ciclos da imperfeição ocorram perfeitamente naqueles que sentem.

Mas quando a conexão acontece e os sentimentos estão lesionados, normalmente por falta de cuidado, somente estes podem se curar, quando não se desiste um do outro. Persistência ocasionalmente resulta em cura. Mas quando persistência é confundida com teimosia, tal machucado pode se alarmar.

Bem verdade é que no final sempre queremos aquele amor, sabe? Aquele amor que, por amor, nos anseie também. Que nos grite; nos deseje e nos precise.

Pode ser aquele amor piegas que a beleza transborda, que o cinema o ilude e os livros o desenvolvem com plenitude. Aquele amor que faz até os racionais se perderem e ateus acreditarem em algo maior mesmo sem o ver. Consideremos também aquele amor platônico surgido da mente fértil de alguém que jamais foi consolidado, possivelmente nem existiu, considerando a ausência de reciprocidade. Esse mesmo que você já teve, e hoje talvez até se envergonhe pelas suas atitudes idiotas que dispôs na época.

Sim, estou falando dos sonhos aleatórios entre uma aula e outra, daquelas vezes em que passou em frente à casa da pessoa só para vê-la. No pior dos casos, quando se escondeu para que ninguém a visse aos prantos, porque ninguém entenderia o motivo.

Aquele amor que rasga o peito e o inflama, arde e engana até os mais sabidos na arte de se apaixonar. Daí a necessidade de colocá-lo para fora, através das lágrimas que se punham a te consolar.

No meu caso foi pior ainda, lembro-me de quando eu gostava de um menino, o nome dele era Vitor Hugo (que ele nunca veja isso!). Eu sentava ao seu lado, como quem não quer nada.  Puxava assunto, gostava de sua companhia. Ele era divertido, simpático, apesar de não muito inteligente (sempre tive queda por garotos mais inteligentes que eu, me julgue). Eu escrevia sobre ele nos meus diários da Barbie, os quais têm guardado todas as minhas declarações daquela época. Chega a ser hilário. Até que um dia uma de minhas amigas abriu a boca anunciando a todos que eu gostava do moleque. Morri de vergonha, saí da sala imediatamente, com duas amigas do lado, demonstrando fúria (embora eu estivesse simplesmente envergonhada e tentando esconder isso), sem a coragem de vê-lo novamente.

Ele, sendo aquela pessoa tranquila que era, continuou conversando comigo nos dias seguintes como se nada tivesse acontecido. Meses depois eu havia o superado, e como havia de ser, quando o encontrei na rua, encarei seu rosto, alheia as buzinas do trânsito infernal que nos separava e impedia que ele me visualizasse. Simplesmente ri. Ri não por causa dele. Ri por minha causa. Percebi, então, como podemos ser insensatas de vez em quando. Nem mesmo uma borboleta voou em meu estômago, e a realidade pesou sobre mim, como se dissesse: desde criança você tem mania de fantasiar o que não existe.

Eu me auto odiei por alguns instantes, mas em seguida, dei de ombros, preferindo achar graça de tal situação. Continuei meu percurso, deixando para trás uma parte de minha história.

Talvez a culpa fosse dos filmes da Disney que eu assistira naquela época, não que hoje eu não assista. Mas, quando pequenas, somos persuadidas a acreditar nas mágicas que ali acontecem. Ali há a certeza de um final feliz.Em contrapartida, hoje eu sei que eu devo lutar pelo final feliz que tanto almejo. E que, quando eu o conseguir, não será um final, será apenas umas páginas que antecederão tantas outras.

À parte disso, considerando meu crescimento (em idade), depois de tanto tempo, finalmente reencontrei aquela chama em outra pessoa. Adivinha? Não, eu não o perdi. Porque, infelizmente, sequer tive a oportunidade de tê-lo. Embora eu acredite que em algum momento houve reciprocidade sim.

Há de ter tido, algo há de ter sido verdadeiro em algum momento.

Sobre esse eu prefiro favor voto de silêncio, mesmo que o coração ainda grite, permaneço a sentir baixinho, pois defini-lo seria como pisar em cicatrizes ainda expostas na alma.

Mas, calma, a substância abstrata há de retornar a mim. Enquanto eu viver, a esperança há de me acompanhar em qualquer confusão que as viagens dos meus sentimentos se propuserem a enfrentar.

Aprendi cedo que ela sempre volta. E não cometerei o mesmo erro.

Cometerei, graças a minha arte humanamente imperfeita, novos erros. Nessas quedas talvez eu perca um braço, as duas pernas, os olhos, mas que eu não perca a fé. Pois de nada me valerá se eu perdê-la.

A fé para comigo, pois como o amor pode retornar a mim quando eu o impeço de adentrar-me? E a fé nas pessoas, mesmo que o mundo vá de mal a pior. Porque, apesar de tudo, há quem valorize as mesmas convicções que você. Há aquele que, assim como seus anseios, deseja o bem e o faça para que este se propague e contamine todos ao redor.

Que o bem seja como uma doença, e que todos se infeccionem. E que não haja cura para tal epidemia global.

O avesso é o lado certo

 

 

A verdade é que o tempo não para. Assim como também é um fato que nós, enquanto seres humanos, também tendemos a evoluir. Assim como o ontem virou passado, o que serei amanhã será apenas uma metamorfose do que estou sendo hoje. Serei aprendizado, experiência, serei quedas, assim como também serei superações. A questão é que, muito embora nos transformemos no decorrer dos anos, as marcas deixadas desde os primórdios de nossa existência permanecem quase inalterados, muita das vezes ditando nossas ações futuras.

Isso soa tão devastador quanto nostálgico, dependendo do ponto de vista a ser considerado.

Não gosto de falar muito sobre mim, principalmente quando considero que minhas características não se baseiam na representação das diversas mocinhas dispersas por aí. Principalmente, para ser sincero, na questão ser uma heroína. Isso se considerarmos os rótulos anexados a qualidade dessa protagonista, quase sempre como se fossem anjos acima do mal enviados à Terra para algum tipo de jornada cujo final sempre é o tal felizes para sempre.

Com toda sinceridade, um final mais ou menos já me agradaria. Se ao menos nesse final houvesse uma panela de brigadeiro sobre meu colo e um filme rodando de amorzinho, para combinar com o tempo agradavelmente chuvoso da janela.

Por ora, então, falarei das pessoas que me circulam. Sempre foi mais fácil julgar os outros a nós mesmos. Esse é um defeito carnal quase impossível de ser superado, visto que é quase como um estímulo natural. Entretanto, a fim de exaltar somente as pessoas as quais admiro, decido começar pelas amizades que desenvolvi. Não que sejam muitas, considerando a ideia da minha personalidade seletiva, no entanto, contento-me com elas.

São as melhores que eu poderia desejar.

A começar pela dos glúteos recheado, olhos esverdeados e nome doce: Melissa. Sua personalidade, um tanto regada à vaidade, transmite uma impressão errada sobre sua alma amorosa e serena. Lembro-me de tê-la julgado muito errado inicialmente. Não me entenda mal, o que há de se pensar sobre uma garota que durante uma aula inteira fixa os olhos num espelho pequeno conferindo a aparência irritantemente? A qual observa todos como se fossem meras formigas operárias? Caramba, naquele dia eu nem sequer tinha penteado o cabelo!  Isso porque não tenho a intenção de prolongar minha falta de habilidade estética ao confessar que mal sei a diferença entre os tipos de pincéis de maquiagem.

Talvez ela não seja uma das melhores em física, nem em matemática, mas, sem dúvidas, em matéria de conselhos amorosos ela escauda.

A beleza está exatamente na diversidade de personalidades. Enquanto Melissa é eficiente nos quesitos que ela domina, Débora é daquelas confidentes, que te compreende e te apoia em todas as suas decisões. É mais confortável dizer a ela sobre seus tormentos, pois, apesar de nem sempre Débora ter as palavras certas, ela simplesmente te escuta, e te embala em silêncio.

Como sei que não poderei fugir do que sou por muito tempo, começarei salientando o que não sou. Não sou alta. Não sou branca. Não tenho olhos azuis. E, por último, não menos importante, não sou terrorista. Bom, pelo menos não enquanto não se prove o contrário.

Acredito que minha idade permita os dramas típicos existências que nos atormenta durante nossa juventude. A começar pelo fato do que sou. Geralmente nas redes sociais, copio um texto que acho uma gracinha e colo, literalmente fica um arraso! Todavia, a descrição contida nele é tão vaga e limitada quanto às instruções de um celular. Naquelas linhas miúdas está resumida toda a funcionalidade do aparelho, mas só quem possui um relacionamento duradouro com o telefone sabe que ele é muito mais que aquelas palavras. É quase como uma parte vital.  Sem ele, os dias são monótonos, aquele barulho suave de mensagem fresquinha (principalmente quando é do crush) o qual faz seu coração bater numa velocidade incalculável. E, de repente, as batidas cessam quando seus olhos pousam sobre a tela e processam todo o conteúdo ali esboçado.

No entanto, essa é uma opinião relativa. Para minha avó um celular é só um quadrado lixado que possui um barulho irritante ao chegar mensagens de pedófilos. Isso se aplica a mim, também, visto que para os meus amigos eu posso ser a melhor pessoa do universo, enquanto para um desconhecido ser uma mera estranha que por algum motivo esquisito ama a cor preta. Não que eu seja uma gótica em ascensão, afinal quando arranho sem querer minha pele já entro em desespero, se aproximar meu pulso a um estilete já infarto antes mesmo de encostar.

Sintetizando tais paradoxos, logo, posso afirmar com toda convicção que, para os outros, sou o que eles querem ver. Sou imagem formada pela opinião ou impressão deles diante do julgamento prévio das minhas atitudes. Muitos se esquecem que posso ser muito mais do que meros adjetivos os quais restringem a verdadeira essência do ser, já que sou alma, sou história, sou um englobamento de sonhos e frustrações e medos reduzidos a 1,54m.

Contrapondo essa tese, ninguém é obrigado a me conhecer de verdade. Até porque não me importo. Conhecer todos também me dá preguiça. Conhecer-me já é uma viagem cansativa, apesar de surpreendente. O fato afiançado anteriormente, sobre mudarmos no decorrer do tempo, explica a ideia de ser impróprio eu tentar explicar minhas qualidades e defeitos, por simplesmente se tratar de uma opinião momentânea. Embora tenhamos um caráter único, uma essência sólida, algumas perguntas nasceram para serem esclarecidas constantemente, visto que o hoje de agora será o oposto do presente do dia de amanhã.

É que, meu bem, eu posso me reinventar. Posso decidir, assim, num simples estalar de dedos, fazer uso daquele vestido preto no fundo do guarda-roupa e combiná-lo com o salto mais alto que possuo. Posso finalizar a produção com aquele batom vermelho fosco o qual nunca utilizei e me cai tão bem.

De repente, torno-me vaidade.

Talvez, quando eu retorne a minha casa, eu me desfaça de todos os brincos utilizados e do próprio scarpin que incomoda meus dedos dos pés e vista a camiseta manchada, porém confortável, do meu irmão mais velho.

Em um piscar de olhos, então, eu me torno simplicidade.

Reinvento-me, transformo-me, quebro-me em pedaços miúdos e desalinhados e remonto-me da maneira que me convém. Na frente dos meus pais geralmente é em forma de anjo, na dos amigos não queira nem saber. Viro o melhor de mim e, em fração de segundos, torno-me o pior. Aquieto-me, agito-me, sou sucessões de controvérsias. Sou antíteses organizadas num espaço de tempo em detrimento da normalidade.

E por mais irônico que possa parecer, a graça está exatamente neste ponto: não haver a possibilidade de agradar a todos. Se tentasse, sem dúvidas, falharia. Por mais que sejamos uma reunião de qualidades, somos para alguém exatamente o que ela merece que a gente seja. Ou seja, se me for dado o respeito, eu respeitarei. Se for me dado o desprezo, neste caso em especial, darei o meu sinto muito, considerando a situação que jamais perderei meu tempo cultivando maus sentimentos a alguém.

Neste ponto, talvez, eu demonstre mais um defeito meu: egoísmo.

Mas, dependendo do ponto de vista a ser observado, consideremos uma qualidade: resoluta.

A escolha, como sempre, é sua.

Posso afirmar, entretanto, que hoje sou alguém capaz de aceitar a bagunça que é ser eu. E isso, momentaneamente, basta.

Com prazer, outono

Sabe nesses dias de outono? Então, eu adormeço. Não que eu não tenha o costume de morrer de sono nas estações anteriores, mas, nessa em especifico, ponho-me a ser sonolência. Cubro as pernas, e por preguiça, talvez eu deixe algumas camadas de pele expostas. Mas eu sei que elas serão cobertas assim que as folhas das árvores despencarem gradualmente, perdendo a força à medida que minha respiração também se ameniza. Às vezes, elas fazem cócegas, numa forma única de evidenciar a formidável frieza movimentada pelas ventanias constantes. Fecho os olhos e a neblina se mescla com o sentimento que desperta em mim.

Tenho cansaço. Não consigo me entender, nem quero.

Só quero dormir para, quem sabe, quando o inverno vier, eu tenha esquecido daquelas lembranças que insistem em perambular em minha mente. Se o outono significa, de fato, o tempo das mudanças, nos meus sonhos poderei me transformar numa versão menos eu.

Uma versão que não ama você.

Mantenho a me enroscar em pedaços de sossego com lapsos de memória e o sabor recordado é como gotas de chocolate com licor. Talvez, por tanto experimentá-las, eu tenha entrado em algum coma alcoólico psicológico.

Entretanto, a letargia é tão palpável que posso escutar o cântico de aves que deveriam se ausentar, visto que a migração do outono é tão notória quanto a falta de vestimenta das plantas ao meu redor. O tom opaco e escamado das folhas a me proteger do frio remonta a paisagem num contexto próprio do que estou sendo.

Eu neste segundo, nesta captura instantânea de momento.

Não é dor. Não, não é. Sinto-me bem e confortável em continuar deitada no gramado extenso deste jardim, ainda assim, está gélido demais para sentir os formigamentos de alegria. Acho que pode ser uma espécie de repouso bem-vindo, capaz de me manter à parte da viva num emaranhado de imparcialidade, isenta das responsabilidades aclamadas do verão, da justiça implacável do inverno, da delicadeza requintada da primavera.

Encaro-me como um botão de rosa se fechando, estirando a borda de suas pétalas e entrelaçando-as uma com as outras para me introduzir em meu próprio eixo. Sou som de gavetas sendo fechadas, álbuns e diários lotados de histórias, repletos de essência e de diálogos virando passado, sussurrando palavras perdidas e desconexas, numa forma de mantê-las inalteráveis. Torno-as saudade. Torno-me pretérito para que eu me metamorfose e, possivelmente, quando eu acorde, vire quadro em branco preparado para ser reescrito, para ser explicado e reinventado.

Isso é necessário.

Não durarei muito tempo assim, pois deixar-me apodrecer é como desistir das etapas que tanto me trouxeram intervalos de felicidade. É como me perder numa estrada de caça tesouro cheia de x’s para ser encontrados, embora também haja milhares de pedregulhos espalhados por avenidas longilíneas amarrotadas de arranha-céus.

Um cacho do meu cabelo recaí sobre meu ombro, balança vagarosamente no ritmo das lufadas de vento, e abro meus olhos para vê-lo. Distraio-me tentando acompanhar sua dança sinuosa e sinto meus lábios enrugados para formarem um sorriso.
Aquele que, não importasse o que eu sentisse, ainda assim, não deixaria de estar lá.

É tudo sobre você, Tati

 

Sou grito enfurecido em estradas desertas. Sou orvalho, como uma junção de gotas de saudade, desapego, delicadeza, bravura, mas, acima de tudo, de amor próprio. A suavidade com que exponho a minha vida àqueles que me cercam reforçam a guerreira que preenche o que eu fui. E que ambiciono a continuar a ser.

Sofro. Sofro muito. Caralho, às vezes penso que não chegarei no dia seguinte. Mas aí, eu acordo, abro a janela e sinto a brisa matutina me dar bom dia. Sorrio porque, por mais que eu não me esqueça das desilusões, minha essência permanece a ser a mesma, aquela que perdoa, que aprende, que ambiciona a tentar de novo.

E eu tento de novo. Esforço-me a sorrir, a rir, a esconder os resquícios de tristeza que ainda estão lá, só para dar uma chance ao recomeço. A alguém que, provavelmente, ainda não conheço, mas me dará motivos para não desistir do meu conto de fadas.

O relógio está prestes a completar seu ciclo mais uma vez, e antes da meia noite, eu já estou com receio que você se torne abóbora.

Mas, querido, a culpa não é sua.

É minha.

Minha imaginação fértil, minha criatividade em formar situações e criar diálogos, faz com que você seja alguém que não é.

Porque, no fim, você é só um cara comum. E isso não é ruim, pois pessoas perfeitas geralmente me dão tédio.

Meus parágrafos são feitos de sentimentos. Danço sobre cacos e perco a noção de tempo, pois quero viver. Aspiro a gastar todas as minhas energias em aproveitar o dia.  Eu sou o que eu sinto, impulsiva e constantemente desajuizada. Minha perfeição está em aceitar minhas imperfeições, torná-las minhas amigas e não me desvencilhar delas. Porque sei que, no final, amarei aqueles que me amarem por inteira.

Nada peço senão amor e cumplicidade.